Foto de Leo Moreira Sá, na peça
"Hipóteses Para o Amor e a Verdade"
O Sesc Santos realizará a estréia de Lou&Léo, novo espetáculo de Nélson Baskerville, no dia 15/06, Sábado às 20h.
Sob a atuação de Leo
Moreira Sá e Beatriz Aquino. Em um diálogo com sua memória, Leo Moreira
Sá reflete sobre a longa jornada que empreendeu em busca da sua
identidade, desde que era Lou (baterista da banda As Mercenárias) até se
assumir como Leo. O espetáculo é uma confissão íntima sobre a
necessidade de reconhecer o amor por si próprio. Teatro-Documentário.
Duração: 50min. Após apresentação haverá um diálogo com o diretor Nélson
Baskerville. Teatro.
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Não recomendado para menores de 16 anos
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R$ 4,00 | [inteira] |
R$ 2,00 | [usuário
matriculado no Sesc e dependentes, aposentado, pessoa com mais de 60
anos, pessoa com deficiência, estudante e professor da rede pública com
comprovante] |
R$ 1,00 | [trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes] |
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O espetáculo faz parte da programação Sesc Santos, em apoio ao FESCETE:
Em sua XVII edição, o FESCETE - Festival de Cenas Teatrais, acontece de
14 a 28 de junho e propõe a investigação de estéticas e linguagens em
uma encenação de 15 minutos. O Festival ocorre em vários pontos da
cidade, visando experimentações, aberturas de processos, formação e
iniciação artística de estudantes, artistas e interessados. O Sesc
Santos apoia com espetáculos teatrais, atividades formativas e um
bate-papo com o homenageado Nélson Baskerville.
Compartilho crítica de Natália Nolli Sasso:
Fonte: http://www.questaodecritica.com.br/2013/03/muitos-baskervilles-para-um-so-nelson/
Muitos Baskervilles para um só Nelson
Artigo sobre o trabalho do diretor Nelson Baskerville
Tenho uma fotografia emoldurada e protegida por vidro, cujo autor
desconheço. Tudo que me lembro sobre ele diz respeito à procedência: um
francês, contemporâneo – e acrescentei a essa inexatidão de informações
um gênero: um homem, por dedução. Ela chegou até mim como presente. No
começo não prestava muita atenção. Fiquei em dúvida sobre onde
colocá-la, e assim passou mais de um ano guardada atrás de uma pilha de
livros. Na indecisão, esqueci-me dela completamente. Foi durante uma
mudança, enquanto desencaixotava objetos, que a resgatei de uma caixa, e
resolvi trazê-la para a luz.
Passei dias olhando-a distraidamente, e de diversos pontos. Um dia,
decidi deixá-la deitada, na horizontal, sobre um móvel baixo de madeira.
Em alguma medida eu percebi que preferia olhá-la assim, por cima. Tudo
isso feito com muita desatenção, aleatoriamente, em meio à rotina.
Noutro dia, mais atenta, me dei conta que seu autor deve ter fotografado
a cena de cima, possivelmente de uma posição equivalente ao segundo ou
terceiro andar de um edifício. A cena se passa numa praça qualquer,
parece registrar um jogo de bocha. O ponto de vista usado pelo fotógrafo
desenha um ângulo que faz o olhar convergir para a cena a partir de um
traçado imaginário que parte da lateral direita do observador. Essa
lateralidade é a graça da foto e confere espontaneidade, casualidade à
cena. O recurso, apesar de simples, determina um modo de olhar para a
obra, mesmo que opcional, já que não impede outros tantos modos.
Conto essa breve história para me aproximar da questão do ponto de
vista do autor diante de sua própria obra. E também do lugar do
espectador nessa relação de muitas dimensões. E para falar do teatro
dirigido por Nelson Baskerville.
Começo a pensar nele, após assistir quatro de suas direções, como um
autor da cena que dirige e escreve (ou adapta). Esse conjunto de peças
inclui:
Luis Antônio – Gabriela,
Brincando com fogo e
Credores (essas duas a partir das obras homônimas de Strinberg); e numa medida mais amena também
As estrelas cadentes do meu céu são feitas de bombas do inimigo.
Um autor como alguém ocupado na totalidade da obra; um artista cujos
pensamentos sobre e para o teatro atravessam todas as instâncias do
processo ao espetáculo, atribuindo uma assinatura própria.
De saída, ele assumidamente tem como leitmotiv de duas dessas citadas direções (
Luis Antonio-Gabriela e
Credores)
a necessidade de colocar em cena questões espinhosas de sua vida
pessoal. Isso, apesar de recorrente para a arte, é feito por ele com
absoluto desprendimento, com a negação do tom confessional. É latente
que se referem às questões íntimas, mas o que se sobrepõe a esse
material não tem pertencimento.
Uma explicação para esse resultado talvez seja o modo como ele cria:
coloca suas inquietações na roda, ou melhor, na gênese do processo de
criação, durante os ensaios, para a improvisação e colaboração (e
co-elaboração) ativa dos atores com quem trabalha.
Nesse momento, o material inicial é desvelado, desarticulado, e as
referências dadas se submetem ao livre exercício da improvisação.
Cortes, excessos, redundâncias, brincadeiras, tudo vale nesse momento de
criação em colaboração com atores. E esses tomam para si a obra, se
investem do papel de co-autores.
Curioso o fato desse diretor trabalhar de um mesmo modo com
companhias diferentes (Mungunzá, Mamba de Artes e Provisório-Definitivo,
respectivamente).
Os processos que conduz e propõe parecem seguir uma mesma conduta de trabalho.
O esgarçamento do material inicial, propenso às propostas,
referências pessoais e apropriações de cada ator segue para uma
liquidificação; não propriamente a assimilação inerte dessas
interferências, mas o jogo com elas. O resultado, quando se olha com
bastante atenção, entrevê marcas, ou mesmo pistas do que foi esse
processo dialógico e um tanto anárquico. Fica ao espectador a impressão
de muitos pontos de vista em profusão, mas convergentes para um
pensamento, uma lógica interna que tudo atravessa: a autoria de
Baskerville.
Autor como alguém que cola, recorta, pinça, desmonta, cola, monta, até alcançar uma unidade para a criação.
Assistir algo dirigido por Baskerville é uma experiência
mobilizadora: olha-se de muitos pontos, para cenas que parecem estar
dentro de outras cenas, ações que correm paralelamente ou através de
outras, num jogo que exige agilidade da assistência. Suas obras geram
demandas de atenção ininterrupta para a plateia, e logo a envolvem no
andamento da cena.
Como todo colador, ele retira referências de contextos próprios,
originais, e desloca para outros novos, às vezes um tanto improváveis.
Recorta de seu repertório íntimo, para colar no outro, no ator-jogador,
aquele com quem cria diálogos, entre subjetividades, entre pensamentos.
Faz usos inusitados de elementos pré-dados, seja do autor (Strinberg) ou
do que lhe oferecem seus atores.
(Soube por Baskerville, de um dado curioso: algumas pessoas assistem
dezenas de vezes a Luis Antônio-Gabriela. Esse dado parece confirmar a
eficiência da comunicação do espetáculo com o público, e dizer sobre o
quanto a obra é envolvente, apesar de e porque parte de relatos de
família e memórias, mas sobrepõe essa condição inicial)
E se o processo de criação dramatúrgica e da cena como um todo é
poroso, maleável, dialógico e irreverente às hierarquias e relações de
papeis e pertencimento; a obra final conjuga colaborações em função de
uma coesão compacta e unificadora; segue para onde está a plateia
sentada, à espera de um outro diálogo.
E se a improvisação é base da criação, o substrato é o jogo com o
aleatório, com o incerto, com o outro, com o inesperado do outro, com
materiais diversos; o espetáculo apresenta rigor e precisão na
articulação de todos os elementos. Há um fio condutor, pensamento e
forma de criar, colando as partes organicamente em um todo.
Por trás da sujeira presente nessa cena, dos excessos de referências,
dos ruídos sonoros conjugados à música popular; atravessando
depoimentos e desabafos, e textos de outros autores, na anarquia
aparentemente caótica entre os elementos de cena, por trás da
brincadeira das cenas prenhes de cenas; posicionado no bastidor, na
batuta e ao mesmo tempo sentado na plateia: a orientação calculada de um
diretor. Em cena permanece apenas o que restou da organização minuciosa
(e ainda assim bastante libertária) de um emaranhado anterior
suculento, caudaloso, aleatório e complexo ao extremo.
Nelson Baskerville parte de inquietações pessoais – sua matéria bruta
– para jogar com o emaranhado de outras inquietações, para dialogar com
a contradição. Permite sustentar sua obra em contornos imprecisos do
humano, nas questões dúbias do desejo, da sensação incômoda de saber-se
livre. E só alcança esse nível extremo de diálogo, só sai para fora de
si por se colocar em papeis alheios. Generosidade artística de quem
assimila, brinca e se faz em muitos, para se comunicar com o público,
essa entidade respeitável.
Natália Nolli Sasso é jornalista e técnica de Artes Cênicas do Sesc SP.